Enquanto Fidel fuzilou entre 15 mil e 17 mil pessoas
(sendo 10 mil só na década de 60), o número de mortos e desaparecidos no
Brasil, entre 1964 e 1979, a julgar pelos pedidos de indenização, seria em torno
de 288.
O Livro Negro do Socialismo/Comunismo
Este livro mostra como matar 100 milhões de
pessoas em 60 aninhos sem bombas atômicas, sem guerras entre países, apenas
entre a população escravizada.
"Le livre noir du communisme" (Edições
Robert Laffont, Paris, 1997), escrito por seis historiadores europeus, com
acesso a arquivos soviéticos recém-abertos, é uma espécie de enciclopédia da
violência do comunismo. O chamado "socialismo real" foi uma tragédia
de dimensões planetárias, superior em abrangência e intensidade ao seu êmulo
totalitário do entreguerras - o nazifascismo.
Ao contrário da repressão episódica e acidental
das ditaduras latino-americanas, a violência comunista se tornou um instrumento
político-ideológico, fazendo parte da rotina de governo. Essa sistematização do
terror não é rara na história humana, tendo repontado na Revolução Francesa do
século 18 na fase violenta do jacobinismo, na "industrialização do
extermínio judaico" pelos nazistas, e - confesso-o com pudor - na
inquisição da Igreja Católica, que durante séculos queimava os corpos para
purificar as almas.
O "Livre noir" me veio às mãos num
momento oportuno em que, reaberto na mídia e no Congresso o debate sobre a violência
de nossos "anos de chumbo" nas décadas de 60 e 70, me pusera a reler
o "Brasil Nunca Mais", editado em 1985 pela Arquidiocese de São
Paulo.
Comparados os dois, verifica-se que o Brasil não
ultrapassou o abecedário da violência, palco que foi de um miniconflito da
Guerra Fria, enquanto que o "Livre noir" é um tratado ecumênico sobre
as depravações ínsitas do comunismo, este sem dúvida o experimento mais
sangrento de toda a história humana.
Produziu quase 100 milhões de vítimas, em vários
continentes, raças e culturas, indicando que a violência comunista não foi mera
aberração da psique eslava, mas, sim, algo diabolicamente inerente à engenharia
social marxista, que, querendo
reformar o homem pela força, transforma os dissidentes primeiro em inimigos e,
depois, em vítimas.
A
aritmética macabra do comunismo assim se classifica por ordem de grandeza:
China (65 milhões de mortos);
União Soviética (20 milhões);
Coréia do
Norte (2 milhões); Camboja (2 milhões);
África (1,7 milhão, distribuído entre
Etiópia, Angola e Moçambique); Afeganistão (1,5 milhão);
Vietnã (1 milhão);
Leste Europeu (1 milhão);
América Latina (150 mil entre Cuba, Nicarágua e
Peru); movimento comunista internacional e partidos comunistas no poder (10
mil).
O comunismo fabricou três dos maiores carniceiros
da espécie humana - Lênin, Stálin e Mao Tse-tung. Lênin foi o iniciador do
terror soviético.Enquanto os czares russos em quase um século (1825 a 1917)
executaram 3.747 pessoas, Lênin superou esse recorde em apenas quatro
meses após a revolução de outubro de 1917.
Alguns líderes do Terceiro Mundo figuram com
distinção nessa galeria de assassinos. Em termos de percentagem da população, o
campeão absoluto foi Pol Pot, que exterminou em 3,5 anos um quarto da
população do Camboja.
Fidel Castro, por sua vez, é o campeão absoluto da
"exclusão social", pois 2,2 milhões de pessoas, equivalentes a 20% da
população da ilha, tiveram de fugir. Juntamente com o Vietnã, Fidel criou uma
nova espécie de refugiado, o "boat people" - ou seja, os
"balseros", milhares dos quais naufragaram, engordando os tubarões do
Caribe.
A vasta maioria dos países comunistas é culpada
dos três crimes definidos no artigo 6º do Estatuto de Nuremberg: crimes contra
a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A discussão brasileira sobre os nossos "anos
de chumbo" raramente situa as coisas no contexto internacional da Guerra
Fria, a qual alcançou seu apogeu nos anos 60 e 70, provocando um "refluxo
autoritário" no Terceiro Mundo. Houve intervenções militares no Brasil e
na Bolívia em 1964, na Argentina em 1966, no Peru em 1968, no Equador em 1972,
e no Uruguai em 1973.
Fenômeno idêntico ocorreu em outros continentes.
Os militares coreanos subiram ao governo em 1961 e adquiriram poderes
ditatoriais em 1973. Houve golpes militares na Indonésia em 1965, na Grécia em
1967 e, nesse mesmo ano, o presidente Marcos impunha a lei marcial nas
Filipinas, e Indira Gandhi declarava um "regime de emergência". Em
Taiwan e Cingapura houve autoritarismo civil sob um partido dominante.
O grande mérito dos regimes democráticos é
preservar os direitos humanos, estigmatizando qualquer iniciativa de violá-los.
Mas por lamentáveis que sejam as violências e torturas denunciadas no
"Brasil, Nunca Mais", elas empalidecem perto das brutalidades do
comunismo cubano, minudenciadas no "Livre noir".
Comparados ao carniceiro profissional do Caribe,
os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito
de subúrbio... Enquanto Fidel fuzilou entre 15 mil e 17 mil pessoas (sendo 10
mil só na década de 60), o número de mortos e desaparecidos no Brasil, entre
1964 e 1979, a julgar pelos pedidos de indenização, seria em torno de 288,
segundo a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, e de 224 casos
comprovados, segundo a Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da
Justiça. O Brasil perde de longe nessa aritmética macabra.
Em 1978, quando em nosso Congresso já se discutia
a "Lei da Anistia", havia em Cuba entre 15 mil e 20 mil prisioneiros
políticos, número que declinou para cerca de 12 mil em 1986. No ano passado, 38
anos depois da Revolução de Sierra Maestra, ainda havia, segundo a Anistia Internacional,
entre 980 e 2.500 prisioneiros políticos na ilha. Em matéria de prisões e
torturas, a tecnologia cubana era altamente sofisticada, havendo
"ratoneras", "gavetas" e "tostadoras".
Registre-se um traço de inventividade tecnológica - a tortura
"merdácea", pela imersão de prisioneiros na merda.
Não houve prisões brasileiras comparáveis a La
Cabaña (onde ainda em 1982 houve 100 fuzilamentos), Boniato, Kilo 5,5 ou Pinar
Del Rio. Com estranha incongruência, artistas e intelectuais e políticos que
denunciam a tortura brasileira visitam Cuba e chegam mesmo a tecer homenagens
líricas a Fidel e a seu algoz-adjunto Che Guevara.
Este, como procurador-geral, foi comandante da
prisão La Cabaña, onde, nos primeiros meses da revolução, ocorreram 120
fuzilamentos (dos 550 confessados por Fidel Castro), inclusive as execuções de
Jesus Carreras, guerrilheiro contra a ditadura batista, e de Sori Marin,
ex-ministro da agricultura de Fidel. Note-se que Che foi o inventor dos
"campos de trabalho coletivos", na península de Guanaha, versão
cubana dos "gulags soviéticos" e dos "campos de reeducação"
do Vietnã.
A repressão comunista tem características
particularmente selvagens. A responsabilidade é "coletiva", atingindo
não apenas as pessoas, mas as famílias. É habitual o recurso a trabalhos
forçados, em campos de concentração. Não há separação carcerária, ou mesmo
judicial, entre criminosos comuns e políticos. Em Cuba, criou-se um instituto
original, o da "periculosidade pré-delitual", podendo a pessoa ser
presa por mera suspeita das autoridades, independentemente de fatos ou ações.
Causa-me infinda perplexidade, na mídia
internacional e em nosso discurso político local, a "angelização" de
Fidel e Guevara e a "satanização" de Pinochet. Isso só pode resultar
de ignorância factual ou de safadeza ideológica.
Pinochet foi ditador por 17 anos; Fidel está no
poder há 39 anos. Pinochet promoveu a abertura econômica e iniciou a
redemocratização do país, retirando-se após derrotado em plebiscito e em
eleições democráticas como senador vitalício (solução que, se imitada em Cuba,
facilitaria o fim do embargo).
Fidel considera uma obscenidade a alternância no
poder, preferindo submeter a nação cubana à miséria e à fome, para se manter
ditador. Pinochet deixou a economia chilena numa trajetória de crescimento
sustentado de 6,5% ao ano. Antes de Fidel, a economia cubana era a terceira em
renda por habitante entre os latino-americanos e hoje caiu ao nível do Haiti e
da Bolívia.
O Chile exporta capitais, enquanto Fidel foi um
pensionista da União Soviética e, agora, para arranjar divisas, conta com
remessas de exilados e receitas de turismo e prostituição. Em termos de
violência, o número de mortos e desaparecidos no Chile foi estimado em 3.000,
enquanto Fidel fuzilou 17 mil!
Apesar de fronteiras terrestres porosas, o Chile,
com população comparável à de Cuba e sem os tubarões do Caribe, sofreu um êxodo
de apenas 30 mil chilenos, hoje em grande parte retornados. Sob Fidel, 20% da
população da ilha, ou seja, algo que nas dimensões brasileiras seria comparável
à Grande São Paulo, teve de fugir.
Em suma, Pinochet submeteu-se à democracia e tem
bom senso em economia. Fidel é um PhD em tirania e um analfabeto em economia. O
"Livre noir" nos dá uma idéia da bestialidade de que escapamos se
triunfassem os radicais de esquerda. Lembremo-nos que, em 1963, Luiz Carlos
Prestes declarava desinibidamente que "nós os comunistas já estamos no
governo, mas não ainda no poder".
Parece-me ingenuidade histórica imaginar que, na
ausência da revolução de 1964, o Brasil manteria apenas com alguns tropeços sua
normalidade democrática. A verdade é que Jango Goulart não planejara
minimamente sua sucessão, gerando suspeitas de continuísmo. E estava exposto a
ventos de radicalização de duas origens: a radicalização sindical, que levaria
à hiperinflação, e a radicalização ideológica, pregada por Brizola e Arraes,
que podia resultar em guerra civil.
É sumamente melancólico - porém não irrealista -
admitir-se que, no albor dos anos 60, este grande país não tinha senão duas
miseráveis opções: "anos de chumbo" ou "rios de sangue"...
Roberto Campos foi economista,
diplomata, senador pelo PDS-MT e ministro do Planejamento (governo
Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks,
1994). Este e outros artigos podem ser encontrados no livro de Roberto Campos,
Na Virada do Milênio, ed. Topbooks, 1998.