“PROBLEMA NACIONAL BRASILEIRO”.
ALBERTO TORRES ( POUCOS ENTENDERAM A ALMA DO POVO BRASIELIRO como esse grande sociólogo e pensador )
Este
grande pensador fluminense, deixou obras que são um justo título de orgulho
para o intelectualismo e para o pensamento brasileiro.
Ninguém,
até hoje, falou da nossa história, dos nossos problemas, dos nossos erros, das
nossas virtudes e dos nossos deveres com tanta superioridade de entendimento e
com tanta força de persuasão.
A
sinceridade é o caráter dominante em toda a sua obra, desde quando o autor
denuncia e combate o “espírito romântico e contemplativo” brasileiro, tão
inútil no nosso esforço de construção social e política, até quando declara que
“nas finanças, na administração, na justiça, na ordem política, na moralidade
administrativa, na instrução, o declínio é manifesto”.
Dizia
o Mestre:
“O
nosso país, que nunca se consolidou em nação e em sociedade, é presa de uma das
mais escandalosas anarquias, que se chama, entre nós, política, — Ao povo
brasileiro, Faltam-lhe o hábito da observação política e o critério da
organização. Esse é o imenso mal do nosso país, onde as inteligências não sabem
manter, sobre todas as coisas, senão a atitude crítica e a de diletantismo
literário, quando o que se nos está impondo é a coragem da iniciativa e da
responsabilidade de solver. bastaria para provar-lhe que esta forma de governo,
que vem comprometendo a nossa sorte, com a sustentação de uma sociedade de
parasitas mantidos pelos cofres públicos ou vivendo à custa dos interesses
ilegítimos criados pela organização anti-social da nossa política, e com essa
ostentação megalomaníaca de luxos, de vaidades e de grandezas, sem gosto e sem
cultura, que se exibe nas nossas cidades, ao passo que a produção permanece em
eterna crise, e que não formamos ainda economia nacional, nem para o simples
efeito alimentar
Humberto
de Campos escreveu recentemente que “Alberto Torres teve, de fato, a previsão
de todas as calamidades que tombariam, dentro de vinte anos, sobre o país, e
chamou para elas a atenção dos homens públicos. Das eminências em que pairava o
seu espírito, ele viu e anunciou as nuvens sinistras que se acastelavam no
horizonte. Daniel, em Babilônia, decifrou a Baltazar a verdade das palavras
misteriosas. Os generais e fidalgos assírios sorriram, porém, da ameaça do céu.
E o resultado aí está: a anarquia política, a anarquia econômica, a anarquia
social, o edifício de um país novo desmantelando como as ruínas de um império
oriental”.
E
conclui o brilhante escritor:
“Durante
três lustros o Brasil esqueceu esse grande homem que devia ter sido o palinuro
da nau virgiliana dos seus governos.
SABOIA LIMA.
.
Nossa história é toda feita dessas sucessivas
peregrinações em prol de idéias arbitrariamente concebidas — para as quais
caminhamos às cegas, pensando realizá-las de improviso e objetivando-as com o
mesmo olhar ingênuo do homem rústico que fosse colocado diante da tela, onde
tivesse de pintar uma paisagem.
Nenhum
outro povo tem tido, até hoje, vida mais descuidada do que o nosso. O espírito
brasileiro é ainda um espírito romântico e contemplativo, ingênuo e simples, em
meio de seus palácios e de suas avenidas, de suas bibliotecas e de seus
mostruários de elegâncias e de vagos idealismos. Com uma civilização de cidades
ostentosas e de roupagens, de idéias decoradas, de encadernação e de formas,
não possuímos nem economia, nem opinião, nem consciência dos nossos interesses
práticos, nem juízo próprio sobre as coisas mais simples da vida social.
Quanto
à República e às suas obras, a intolerância partidária nunca permitiu, nem a
adversários nem a confrades, negar os benefícios e progressos, que atribui ao
regime. A simples observação da decadência, a que descemos, nos costumes
eleitorais — base do sistema representativo e título dos governos democráticos
— bastaria para provar aos mais zelosos defensores da fama da nova “forma de
governo”, que vem de azedo pessimismo o desgosto com que muitos repúblicanos
desconhecem, nas instituições dominantes, a República que haviam
sonhado.
Nas
finanças, na administração, na justiça, na ordem política, na moralidade
administrativa, na instrução, o declínio é manifesto; e só se compreende que o
contestem, justamente, porque o hábito da vida em desordem nos está varrendo
dos espíritos os critérios, que formavam a base da nossa consciência social, e,
com eles, a própria sinceridade — virtude profunda e ingênita em nossos
maiores.
Na cultura, a decadência da sociedade nacional é
evidente. Nunca chegamos a possuir cultura própria, nem mesmo uma cultura
geral. As duas primeiras gerações que se seguiram à Independência eram,
entretanto, formadas por pessoas com equilíbrio e firmeza. Mas hoje, temos um
povo com a mente vaga, fluida, sem nenhum interesse por desenvolvimento de juízos
e conduta, onde a superficialidade, a dialética, o floreio da linguagem, o
gosto por frases ornamentais, por conceitos consagrados pela notoriedade ou
pelo único prestígio da autoridade, substituiu a ambição de formar a
consciência mental para dirigir a conduta. O aplauso e a aprovação, as
satisfações da vaidade e do amor próprio, fazem toda a ambição dos brasileiros:
atingir a verdade, ser capaz de uma solução, formar uma mente aguçada e o caráter para resolver problemas, são
coisas alheias a nossos estímulos.
Nosso
país está hoje transformado em vasto cenário onde se agita um povo que não sabe
caminhar, conduzidos uns pela moda, outros pela ambição de efeitos literários,
jornalísticos e de tribuna; pela da popularidade, terceiros; pela
auto-admiração e cultura de estéreis virtudes passivas e severas
intransigências pessoais.
Não temos opinião e não temos direção mental.
Na
economia — eis uma verdade que não temo submeter à contra-prova das mais
rigorosas e profundas investigações da estatística e da análise social — toda a
nossa aparente vitalidade consta, de extremo a extremo do país, de extração de
produtos e de limitado esforço de exploração extensiva, em que a nossa terra
vai cedendo tudo quanto possui em riqueza natural, ao alcance da mão ou de
rudimentaríssimos processos de trabalho.
Nesta
terra, assim saqueada, o comércio, o trabalho estrangeiro e o crédito de usura
que possuímos, drenam, em capital, para o estrangeiro quase todo o produto
dessa inconsciente e brutal destruição, dando-nos, em troco, gêneros e objetos,
que, muitíssimo longe de representar o preço da ruina de que resultam, não
deixam, entre nós, em obras e bens voluptuários, senão fração mínima de seu
valor.
O
aumento das nossas exportações e importações não traduz senão a expressão da
troca dos produtos e dos próprios elementos e forças produtivas das nossas
terras virgens, por coisas fúteis, solicitadas pela nossa vaidade, ou que se
fazem necessárias justamente por causa da nossa incúria. É um fato que se pôde
dar, e que se dá, na exploração de qualquer território selvagem por feitorias
estrangeiras. Toda a nossa fictícia circulação econômica é
obra, assim, de uma federação de feitorias, que, desde as vendas do interior
até às casas de importação e de exportação, as estradas de ferro, as fábricas,
o comércio intermediário e os bancos — em mãos, quase totalmente, de
estrangeiros — não fazem senão remeter para o exterior, em produtos, lucros
comerciais, industriais e bancários, rendas de várias naturezas, a quase
totalidade dos frutos da nossa terra. As duas verbas da exportação e da
importação equivalem para a nossa economia a verbas de passivo, e de um passivo
colossalmente precário e lesivo.
O nosso país precisa, de uma vez por todas, formar
um espírito e uma diretriz prática, que o conduza, salvando-o do atravancamento
das opiniões e das tendências particularistas e sistemáticas, em que está
dividido, a organizar e pôr em movimento as suas próprias forças.
As
causas apontadas nestes trabalhos explicam inteiramente a nossa desorganização:
o descobrimento e o povoamento por uma nação de qualidades fortes por natureza
mas fraquíssima pela estreiteza de seu território, que, comprimida entre as
migrações e guerras do continente e a concorrência e as lutas do oceano,
entrou, por isso, logo depois do descobrimento, em longo estádio de
subordinação e declínio, concentradas todas as suas energias num heróico, e, em
grande parte, improfícuo, esforço defensivo; a disparidade da terra colonizada
com a terra dos colonizadores, apresentando problemas de adaptação e de
cultura, até agora não solvidos; a síncope da evolução política, com a vinda da
casa de Bragança.
Destas
causas há uma que merece especial destaque. Pertence ao número das mais
perigosas ilusões da nossa imaginação, a da riqueza do nosso país.
Em
abstrato, a questão da riqueza ou pobreza do nosso território é um problema sem
interesse, pela simples razão de que, na prática, a nossa terra é pobre para a
sua gente.
De parte a riqueza mineral, que não sabemos
explorar, — e que não convém explorar, por inoportuno, no interesse da
constituição nacional, — temos, como todos os países intertropicais, uma
natureza contrária à exploração agrícola, pelos processos europeus.
.
O
nosso problema vital é o problema da nossa organização.