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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Afonso Taunay / Repensando a história do Brasil - Ensaio de carta geral dos bandeirantes paulistas

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Afonso d´Escragnolle Taunay 
 Instituto Histórico de Petrópolis              apoio: Universidade Católica

(Com este post queremos traçar paralelos e semelhanças do pensamento histórico de Taunay com a realidade atual)

Entre os livros de Taunay, um documentário de extraordinário valor – o “Ensaio de carta geral dos bandeirantes paulistas”. Nele se encontrarão todos os roteiros das Bandeiras, os caminhos seguidos por cada bandeirante, os locais atingidos por cada um e cada qual, e as datas respectivas. Examinando-se a Carta, causa assombro ver o que andaram e por onde andaram!
Resultado de imagem para Afonso d´Escragnolle Taunay Busto de Taunay em SP
Imagine-se, com olhos postos nessa Carta Geral, o que fizeram os paulistas! Abrindo caminhos a golpes de facão, quebrando pedras com as mãos, galgando montanhas quase inacessíveis, derrubando matas ainda invioladas, arrostando rios que semelham mares, sobrepairando os alagadiços, em luta com as febres, o paludismo que não perdoa, as psicoses que confundem luz e trevas, as feras bravias e os aracnídeos horrendos. Saltado para o desconhecido, abatendo limites e fronteiras, amesquinhando horizontes. Descobrindo verdadeiros países dentro do país-continente!
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Eis porque o estudo da Carta Geral das Bandeiras é uma medida do quanto puderam os bandeirantes, levando-nos a novos critérios de avaliação da capacidade humana.  ( Os EUA tem seus heróis, os "pilgrims", Daniel Boone e os desbravadores do velho oeste e nós temos esses excepcionais bandeirantes, que em  nada perdem em coragem, bravura e espírito aventureiro para os estrangeiros )  



Quem se der ao gosto de ler toda a obra de Afonso d´Escragnolle Taunay, de papel e lápis para as anotações, terá concluído um admirável curso da nossa história brasileira, inclusive retificando quanta coisa se há escrito por aí. Sendo homem de ciência e desvaidoso do efêmero, abalançou-se aos grandes assuntos com a determinação dos beneditinos.  Afonso Taunay, nasceu para o trabalho, o pesadíssimo trabalho da cultura. Para servir ao Brasil, fazendo-lhe e lhe refazendo muitas vezes a história.

História Geral das Bandeiras Paulistas 
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Foi escrita de 1924 a 1950. A culpa da interrupção deveu-se à Revolução de 1930.

História Geral das Bandeiras Paulistas representa um estupendo manancial de informes sobre a luta da criatura com o adverso da Natureza, as bandeiras são a descoberta, a posse, a integração dos inúmeros brasis isolados, agonizantes ou mortos dentro do Brasil. E mais, são as bandeiras uma explicação, das melhores, do fenômeno da unidade brasileira, fenômeno talvez mais importante que a descoberta e a conquista da terra.

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O bandeirante é o quebrador de limites e horizontes. Arrosta os altiplanos recobertos de florestas virgens; os desertos que entremeiam, como fragmentos comburidos, intermitentes regiões desamenas e que ele palmilha longamente. Vence os alagadiços que transbordam da caudal ainda diluviana dos grandes rios – os grandes rios que ocupam leitos ainda não inteiramente por eles conquistados. E, entre as sombras e pios do desconhecido, trava o embate da febre e da praga – trágica réplica da terra ao homem que, por tanto tempo, empreendeu-lhe a conquista pela conquista.
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Afonso de Taunay
, assim trazendo a figura humana do bandeirante, no quadro geo-físico da paisagem interiorana, abre portas, de par em par, à antropogeografia brasileira.

Esse é outro aspecto importante da obra de que estamos falando – o caráter revisionista da nossa história, tão infiltrada do que Afonso de Taunay chama de “muita afirmativa fantasiosa de escritores do passado mineiro”.
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Recorrendo aos estudos de Feu de Carvalho, baseados em farta documentação do Arquivo Público Mineiro, sobre as ocorrências de Pitangui, a revolta de Filipe dos Santos e os crimes de Antônio de Oliveiro Leitão, empreende Taunay a revisão histórica do que ele mesmo batiza de “uma das maiores patranhas infiltradas em nossos fastos nacionais, e conquistadora de extraordinário e o mais deplorável vulto”.
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Relendo a obra, cabe-me, com tristeza, chamar a atenção para a pobreza dos estudos históricos fluminenses. Salienta-o Taunay, no mea culpa de declarar deficiente a sua obra das Bandeiras Paulistas na parte referente ao estudo do povoamento do primevo do Estado do Rio, face à quase nenhuma contribuição de historiadores da Velha Província, exceto a de Alberto Lamego, de A terra Goitacá.

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Mas, dizia eu ao princípio dessa aula, é impossível conhecer a História do Brasil sem conhecer a obra global de Afonso Taunay e, no que concerne à penetração e conquista da terra, sem conhecer as Bandeiras de Taunay.
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Porque, através delas, a formação histórica brasileira se compõe – e muitas vezes se recompõe – em capítulos inteiros. Não é só por uma inegável predileção que me detenho na História Geral das Bandeiras Paulistas. Mas, também, pelo que essa obra representa como revisão a muitas distorções seguidamente cometidas – e impunes. Não que queira eu falar mal dos nossos historiadores, isto é, de todos os historiadores. Mas, o fato é que bibliotecas têm sido escritas sem apoio em arquivos de verdade, os velhos arquivos públicos, de autos e traças, inclusive os das antigas casas dos antigos senhores. O comum é o sentido lírico da história, um pouco devaneio, um pouco crônica pela pele. Muito de repetição do que se escreveu antes – um portentoso trabalho de compilação.
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A importância de Taunay na nossa historiografia está no revisionismo que empreendeu à base de estudos e pesquisas, com admirável e corajosa honestidade. Com esses subsídios, Taunay pôde levantar preciosa estatística da produção de ouro no Brasil; o que seria impossível sem o exame da Coleção Costa Matoso,
sem falar no que a história aurífera importou na campanha do mais velho movimento nacionalista brasileiro, dizemos nós, o que importou a história do ouro na história do Brasil! Como a história do ouro, e os novos ouros, tem importado na vida da humanidade!
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Digo-vos, então: - lede a História Geral das Bandeiras Paulistas. O que foi a expansão bandeirante e a sua singularidade universal, no que a torna ímpar ante as congêneres colonizações da Sibéria e dos Estados Unidos da América do Norte. O significado das entradas de André Leão e Nicolau Barreto. Como atuaram os ouvidores e os jesuítas portugueses. D. Luís Céspedes e sua deposição. Manuel Prêto Antônio Raposo TavaresAndré Fernandes e Fernão Dias Pais. A expulsão dos jesuítas do Colégio de São Paulo. A restauração da independência portuguesa. Amador Bueno. A importância deDomingos Jorge Velho. As infrutíferas pesquisas de metais nobres e de esmeraldas, nos séculos XVI e XVII. A grande jornada de Fernão Dias Pais. O tráfico africano e o significado histórico dos Palmares. O povoamento do litoral e os caminhos para o sul. A longa fase do ouro. A guerra dos Emboabas. O que foi a intervenção de Borba Gato. A versão histórica do motim de Filipe dos Santos. O que foram os primeiros anos de Cuiabá e Mato Grosso. As Monções cuiabanas no século XVIII. A importância fundamental do Rio Tietê na penetração do Brasil sul-ocidental. A epopéia das Monções, os dramas da disenteria, as psicoses, o paludismo, as aranhas, os índios ribeirinhos. Conhecer os primeiros anos da Goiás (1722-1748). O itinerário de Anhagüera, suas vitórias. Os primeiros núcleos do povoamento goiano. As Bandeiras paulistas na Amazônia.
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O quadro brasileiro era descrito por Saint Hilaire (1820):

“Tempo houve em que, no interior do Brasil, não se avistava uma única choupana, em que as feras entre si disputavam a posse da terra. Foi então que os paulistas o percorreram em todos os sentidos. Várias vezes penetraram no Paraguai, descobriram o Piauí, as minas de Sabará e Paracatu, internaram-se nas vastas solidões de Cuiabá e de Goiás, chegaram ao Maranhão e ao Amazonas e, tendo galgado a cordilheira peruana, atacaram os espanhóis no âmago de seus domínios.
 fica-se como estupefato e levado a crer que estes homens pertenciam a uma raça de gigantes”.
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A história desses gigantes, empreendeu-a Afonso Taunay. Fê-lo com amor, é verdade; muitas vezes, numa apologia exaltada, tocado pelo sentido humano dos bandeirantes. E é impossível vê-los e não amá-los, amá-los e não morrer de amores, como no grande poema. Não é crível acompanhá-los Brasil a dentro, entre espinhaços e corredeiras, desertos ou alagadiços, monstros e feras, alucinações e febres, sem tentar-se ao panegírico aqui e ali. Bendito amor que permitiu tanto a d´Escragnolle Taunay!

Mas, e isso é válido para a historiografia, Taunay não perdeu a capacidade de analisar; de compreender o fenômeno sem ficar no fenômeno; de criticá-lo e dar-lhe interpretação. E, o que é maior, interpretar os fenômenos no sentido global, dando-lhes as conexões com outros fenômenos, pois que o historiador é, antes de tudo, um intérprete da fenomenologia geral e dialética. Não basta o exame de um grupo social ou de alguns grupos sociais, no tempo e no espaço; mas, a análise das implicações de uns e outros. A História é um todo, que não pode ser explicada apenas nas suas partes. Junge-se à Geografia e à Etnologia, à Economia e à Filosofia e à Sociologia e a quantas ciências. Conheceis a evolução desses critérios. Desde a impessoalidade objetiva de Salústio àquela história que César escreveu entre um cruzar do Reno e as imposições de bárbaros. Já lestes a correspondência de Cícero; e sabeis de Tácito, no contestado Diálogo dos Oradores, na Vida de Agrícola, nas Histórias, nos Anais... Tendes dado, por certo, o justo merecimento a Políbio, já desligado da concepção meramente admirativa da história, e a Maquiavel, o florão da filosofia política da Renascença. E, estudiosos que sois, já tomastes conhecimento de João Batista Vico, a evolução que oferece, através das Três idades e Três espécies de Natureza, já no caminho crítico da história. Como, do mesmo modo, já lestes o pensamento do sábio idealista de Stuttgart, esse Hegel que tanto revolucionou o mundo, na sua filosofia da história e o seu transbordamento na teoria política, pelo seu método de interpretação dialética, a tese, a antítese, a síntese. Estais, pois, a par de que Kant separava, fundo, o espírito da realidade; e de que Hegel identifica o real e o racional, fundindo-os num princípio único e universal. O desenvolvimento da idéia dá as determinações do ser. A ciência estuda esse desenvolvimento e a lógica determina-lhe as leis – que são a contradição e a conciliação dos contrários.


Longa é a caminhada dos vossos estudos. E, nela, conheceis Augusto Comte e sua contribuição ao estudo da História, atendendo aos pressupostos que traça, dando-a como parte integrante e basilar da Sociologia, que ele criou. Na sua estática, a história, propriamente dita, compreende o estudo das condições de existência e permanência do estado social. Na sua dinâmica, é o processo da evolução social – a Política. Segundo Comte, há um processo natural na evolução da vida, que consiste no aumento dos atributos humanos em relação aos atributos animais e orgânicos. O homem progride à medida que o seu pensamento se desenvolve, que é, então, o fator preponderante na avaliação do processo histórico. Estabeleceu a chamada “lei dos três estados”, a teológica, a metafísica e a positiva.

Ora, Afonso d´Escragnolle Taunay, na sua imensa contribuição, estuda o homem bandeirante e o meio em que andou, as riquezas que perseguiu e o que essas riquezas importaram no nosso desenvolvimento. Homem e meio, as relações de causa e efeito constroem a sua historiografia. Não tem o Autor a preocupação do sociólogo, mas oferece à nossa sociologia todos os instrumentos de compreensão, que história e sociologia não se separam e muitas vezes se confundem.

Importantes subsídios forneceu a soberba monografia de Ernesto Enes, A Guerra dos Palmares, da maior riqueza dos arquivos de Portugal e a História das Missões Orientais do Uruguai, de Aurélio Pôrto; a obra de Serafim Leite, sobre a sua Companhia de Jesus no Brasil; Lucas Boiteux, Paulistas em Santa Catarina; Oswaldo Cabral, Laguna; Borges Fortes e Jônatas Rêgo Monteiro, a respeito dos anos primevos do Rio Grande do Sul e os fastos da Colônia do Sacramento; as memórias de Feu de Carvalho sobre Filipe dos Santos, no Ementário de História de Minas Gerais, Aureliano Leite, quanto à Guerra dos Emboabas; Alberto Lamego, nos últimos tomos de A Terra Goitacá; e Francisco Klors Werneck, sobre o povoamento fluminense.

A parte final da História Geral da Bandeiras Paulistas, consagradas às Monções cuiabanas, levou o Autor à consulta das monografias: - Monções, de Sérgio Buarque de Holanda (1945); Pantanais Matogrossenses, de Virgílio Correia Filho (1946); e História de um rio – o Tietê, de Melo Nóbrega (1948).

A história das Monções é dos fastos mais extraordinário da História do Brasil. É mesmo ímpar na história universal “a prodigiosa aventura da terrível viagem fluvial por 3.500 quilômetros pela selva a dentro”. Nenhuma nação conta feitos iguais, no gênero. Saint Hilaire comenta, em 1820, que os europeus “acostumados à navegação dos seus mesquinhos rios” não estavam em condições de avaliar o que era a empreitada.

Essa contribuição, como à Economia e ao desenvolvimento político das instituições brasileiras, manifesta na obra até aqui examinada, Taunay alteia na História do café no Brasil.

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